quarta-feira, 16 de maio de 2012

A travessia aos 40

Filha, este é o novo texto de minha coluna no site Plena Mulher (www.plenamulher.com.br). Tem tudo a ver com o meu atual momento.


Como diria Fernando Pessoa, há um momento na vida em que é necessário abandonar as roupas usadas, que já tem a forma de nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia. Se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.

Deixar para trás as vestes surradas das atitudes e padrões repetitivos, dos relacionamentos desgastados, do trabalho que já não encanta mais, dos pensamentos ultrapassados, dos planos equivocados, é uma questão de sobrevivência do ser, da alma.
Decidir vestir as nossas atitudes e emoções com roupas novas é, muitas vezes, abandonar uma personagem e deixar a essência criativa e ávida por sorver goles frescos da vida assumir o controle de tudo. Mas acredito que esse entendimento só é possível com a maturidade e, mesmo assim, somente quando estamos realmente abertos para receber os ventos da mudança.

Fico impressionada com o número de reportagens que tem surgido sobre pessoas que, perto dos 40 anos, decidiram romper com um modelo de vida saturado para buscar a uma nova fórmula de felicidade e realização pessoal. Seja numa profissão diferente, mudando de cidade, interagindo mais com o meio ambiente, investindo seriamente num talento negligenciado ou transformado em hobby, dedicando-se mais à família ou a uma ação social, colocando em prática projetos de estudo e viagens pelo mundo.

O que destaca essas pessoas no meio da multidão é a coragem de virar a mesa, abrindo espaço para que a essência criativa transforme os desejos numa mudança concreta de vida. Manter-se fiel a si mesmo é o combustível que move a busca por uma estrutura indelével de realização pessoal. Mas será que ter a capacidade de mudar não deveria ser considerado uma força inerente a todos nós, já que somos transmutáveis? Por que, então, esta “bravura” é vista como algo extraordinário e digno de notícia? A grande barreira que a maioria de nós não ousa transpor é o medo da reconstrução, de começar do zero.

Acredito que o movimento de travessia pode ser feito em qualquer momento da vida. Mas penso que aos 40 deveríamos substituir a famosa pergunta sobre o que queremos ser quando crescer pelo questionamento a respeito de como pretendemos envelhecer. Sendo eu mesma, seria a resposta mais apropriada. Mas não um eu inventado pelas circunstâncias e sim o que nos acompanha desde que chegamos ao mundo. Aquele muitas vezes deixado de lado para dar lugar a uma persona criada para ajudar a sobreviver num mundo cada vez mais competitivo – profissionalmente e emocionalmente. Um eu que talvez nunca tenha conseguido permissão para se mostrar, pois pode ter ficado submerso durante anos e anos como um grande talento ignorado.

Aos 40, já aprendemos muito com os nossos erros e acertos, nos tornamos indivíduos mais experientes, maduros e não necessitamos tanto da aprovação do outro para nos reconhecermos como parte integrante do universo. Vivemos metade da vida, conhecemos bem de perto as pedras no nosso caminho e já mapeamos os comportamentos que podem ou não gerar marcas definitivas. A pele não está mais tão firme como aos 20 anos, mas ainda podemos resgatar a energia daquela época para nos ajudar a conduzir a mudança. Não somos tão jovenzinhas, mas ainda temos muito a viver.

No momento em que paramos para fazer o balanço da nossa jornada, muitas mulheres vivem o dilema de avançar no movimento candente de autoconhecimento ou de ficar exatamente no mesmo lugar. É quando deixamos que a loba corra solta ou optamos por mantê-la aprisionada dentro de nós feito uma fera enjaulada que sonha todas as noites com a liberdade da floresta. Como alertou o grande poeta, se não tivermos a ousadia para abandonar o que não nos serve mais, poderemos cometer o grande erro de nos perder de nós mesmas.
















http://www.plenamulher.com.br/colunas.asp?ID_COLUNA=655&ID_COLUNISTA=73

Nenhum comentário:

Postar um comentário