quarta-feira, 16 de abril de 2014

A mala, o vestido rosa e a menina

    Foi numa tarde de domingo que aquela mala grande, empoeirada e um tantinho desbotada chegou lá em casa. Pesada, com o zíper quase explodindo, deu trabalho para ser transportada até um cantinho apertado do armário do corredor. Veio de uma longa temporada na casa da minha mãe e teve que mudar de rumo quando ela decidiu trocar de endereço, ficando bem mais perto de todos nós. Por vários vários meses permaneceu dentro da caixa funda de madeira escura, ao lado da porta da sala, até o dia em que decidi fazer uma faxina ali. Com dificuldade, arrastei a pesada visitante e a levei para o escritório. E foi diante dos olhinhos atentos de Valentina que eu a abri.
   Ao se deparar com a quantidade imensa de peças de roupas de bebê, a pequena, agora já com dois anos, fez a festa. Mergulhou em cima da montanha de jardineirinhas, camisetas de ursinhos, sapatinhos, mantas azuis e verdes, heranças da infância (para mim tão recente!) do João Pedro. Fiquei dividida entre a emoção do reencontro com um pedaço da história do meu menino e a atenção para que todo aquele movimento de descoberta não se transformasse numa enorme bagunça da Valentina. Depois de alguns minutos, relaxei. Deixei que ela tivesse livre contato com aquele mundo particular do qual ainda não fazia parte. Contei que o João ficava muito bonitinho com aquelas peças, mencionei algumas brincadeiras, passeios e coisas curiosas a respeito da vida do irmão. Tudo virou uma grande festa.
Fomos, aos poucos, empilhando as roupinhas ao lado da mala, separando por tipo e tamanho. Quando já estávamos praticamente no final da nossa brincadeira, fui surpreendida com um dos maiores presentes que eu poderia ter recebido nesse atual momento de vida. Lá no fundo, enrolados um ao lado do outro, quatro vestidos que me pertenceram. Quase não pude acreditar no que estava vendo. Com jeito, abracei cada um deles, deixando que as lágrimas escorressem sem a menor cerimônia. Valentina, ao se dar conta da cena, perguntou: - Por que você está chorando, mamãe?
- Estou feliz, filha. A mamãe usou esses vestidinhos quando era do seu tamanho.
- Quando você era pequenininha, mamãe?
- Sim, quando eu era pequenininha igual a você.
E foi aí que o meu coração quase explodiu de emoção. Valentina pediu para colocar o vestidinho rosa, com um cordão branco na cintura e pequenas flores aplicadas na parte superior. A verdade é que eu era um pouco menor que ela quando o ganhei, mas mesmo parecendo uma bata, ficou lindo. Mais lindo ainda foi ver a expressão de alegria no rosto da minha princesa. Ali, naquele momento, ela tinha certeza de que havia sido, de fato, incorporada à minha história.
Fundi a minha imagem de criança com a figura de Valentina correndo pela casa, feliz, com o " vestido da mamãe". Era como se nós duas estivéssemos embaladas pela sinfonia das boas recordações, dos sonhos, das brincadeiras, dos contos de fada, das emoções. E, de repente, as duas meninas estavam ali, de mãos dadas, girando numa ciranda alegre, mágica, sem compromisso com o tempo e o espaço. E foi então que ouvi o som, cada vez mais próximo, de dois chinelos se arrastando da cozinha em direção à sala. Uma voz que há muito tento ouvir novamente interrompeu a farra para nos presentar com um prato cheinho de biscoito cream cracker com manteiga e dois imensos copos de vitamina de banana. Ao fundo, a voz de Julio Louzada anunciava que era o momento de pausa para a Ave Maria. Antes de comer, o silêncio para a prece. Apertei a mão da minha avó e tive a certeza de que jamais nos separaríamos novamente. Agradeci a ela por ter guardado todas aquelas recordações para esse momento com a minha filha. E, mais do que nunca, tive a certeza de que ela realmente esteve ali conosco, naquele instante que poderia resumir a minha vida inteira. A vida que cabe inteirinha dentro do vestido cor de rosa com cadarço branco. A vida que tem cheiro de infância. Para sempre.

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